28 abril 2010

PSP relata "cadastro" político de não arguidos em processo

Jornal de Notícias, 25-4-2010
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Policia/Interior.aspx?content_id=1552775

PSP relata "cadastro" político de não arguidos em processo

Relatório policial identifica 30 pessoas estranhas a inquérito sobre
manifestação do 25 de Abril de 2007

NELSON MORAIS

O processo em que dez arguidos estão a ser julgados por ofensas a
polícias numa manifestação realizada em Lisboa, faz hoje três anos,
contém um relatório da PSP que identifica 30 cidadãos estranhos ao
processo, com o seu nome e convicções ideológicas.

Estes indivíduos não são arguidos nem foram identificados no inquérito
criminal da manifestação do 25 de Abril de 2007, mas aparecem
identificados no respectivo processo, por alegadas ligações, na
maioria dos casos, a movimentos anarquistas, de extrema-esquerda e
ecologistas, que as autoridades associam àquela manifestação.

A maior parte das informações que a PSP coligiu sobre aqueles cidadãos
não tem relevância criminal; outras foram retiradas de
processos-crime, em grande medida, sobre (outras) manifestações não
autorizadas e acções "Okupa" - ocupação de casas devolutas.

"Parece ter havido uma falha na preparação do relatório, porque
deveria ter sido omitida a identidade das pessoas não constituídas
arguidas no processo", comenta Paulo Henriques, da Faculdade de
Direito de Coimbra.

O relatório da PSP, de 29 de Novembro de 2007 e assinado pelo então
comandante metropolitano de Lisboa, Guedes da Silva, foi requerido por
uma procuradora do DIAP de Lisboa, em 2007, após os confrontos, na
zona do Chiado, entre o Corpo de Intervenção da PSP e participantes na
"Manifestação antiautoritária contra o fascismo - contra o
capitalimo".

A magistrada pediu informações sobre a "integração" dos 11 arguidos
(um já falecido) do inquérito "em movimentos ou grupos tais como os
citados no auto de notícia" - anarquistas e de extrema-esquerda - e
registo de acções violentas e ilegais destes grupos. E juntou ao
processo, que já é público, o relatório recebido da PSP.

PSP aponta cartão da JCP

O documento começa por relatar factos da vida de cinco dos 11
arguidos, sem que nenhum dos imputados - tentativas de furto em
supermercados, ruído na via pública... - os ligue àquele tipo de
grupos. O único facto "político" ali descrito decorre da integração de
uma arguida num grupo que, na tarde de 25 de Abril de 2007, atirou
ovos e tomates contra um cartaz xenófobo do PNR, no Marquês de Pombal.

Não se ficando pelos arguidos, a PSP começou por identificar seis dos
atiradores de ovos. Ao primeiro da lista, imputou o incitamento à
realização de seis greves e manifestações, em duas escolas
secundárias. Mas sublinhou o activismo político do jovem de forma mais
curiosa: "Em 4 de Novembro de 2006, participou o extravio de
documentos, entre os quais se encontrava o cartão de militante da
Juventude Comunista Portuguesa", apontou a PSP.

Lei proíbe ficheiros políticos

O relatório vai mais longe e identifica 24 pessoas que não têm sequer
relação estabelecida com nenhum arguido. Contudo, participaram em
acções de cariz político-ideológico: protestos contra cimeiras do G8 e
a guerra no Iraque, acções contra os transgénicos, ocupação de imóveis
devolutos...

Tome-se o exemplo do cidadão belga J.D.. A PSP não lhe imputa qualquer
facto ilegal e muito menos com relevância criminal, mas identifica-o,
por ele estar ligado ao grupo ambientalista GAIA, que terá membros
comuns ao Verde Eufémia, que, por sua vez, terá destruído milho
transgénico em Silves, em 2007. A PSP relatou que J.D. tinha 25 anos,
recebeu um fundo da União Europeia para colaborar com o GAIA, é
licenciado em Ecologia e em Ciências Sociais e Políticas, esteve três
dias em Rostock (Alemanha) a manifestar-se contra a cimeira do G8,
participa em workshops da REDE G8 em Portugal.

Este é um dos casos que levanta questões sobre como a PSP recolhe e
trata dados dos cidadãos, sendo certo que a lei proíbe "o tratamento
de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas,
filiação partidária ou sindical". O docente Paulo Henriques faz uma
declaração de fé: "Quero crer que as actividades de recolha e
tratamento de dados que as polícias desenvolvem têm lugar no estrito
cumprimento da lei".

O JN questionou a PSP, mas esta não quis fazer "qualquer tipo de
comentário". Dos quatro advogados dos arguidos contactados,
pronunciou-se Alexandra Ventura, que contestou que a PSP "registe e
interligue informações de pessoas que nada têm a ver com o processo".

"A PIDE registava informações das pessoas, mas não as divulgava…",
comparou a jurista.

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