11 dezembro 2004

Suspeito da Morte de Vitor Jara Começou a Ser Julgado no Chile

Victor Jara, cantor chileno de intervenção

Por FERNANDO SOUSA
Sábado, 11 de Dezembro de 2004

O presumível responsável pelo assassínio do compositor e cantor chileno Victor Jara, uma das principais vozes da revolução tranquila da Unidade Popular do Presidente Salvador Allende, começou ontem a ser julgado por um tribunal em Santiago. Há 31 anos, desfizeram as mãos do músico à coronhada e mataram-no.

A sessão de abertura do processo serviu essencialmente para identificar o arguido, Mario Manriquez Bravo, um antigo tenente-coronel do Exército, e ler-lhe a acusação. O juiz presidente do colectivo, Juan Carlos Urrutia, disse ao arguido que existem "presunções fundadas" da sua participação no crime. Nunca um suspeito da morte do intérprete tinha sido levado perante a justiça.

Jara foi detido no dia 11 de Setembro de 1973, o do golpe do general Augusto Pinochet, e morto quatro dias depois no Estádio Nacional, transformado num campo de concentração, tortura e execução sumária. O ex-oficial era o seu comandante. Mais de 5 mil pessoas foram levadas para ali. Muitos nunca mais saíram vivos de lá.

"Era nesse momento o oficial de mais alta patente. Proporcionou os meios utilizados para o homicídio ou assistiu a ele ainda que não tomando parte", disse o juiz, citados pelas agências.

"[Jara] foi assassinado pelas suas canções, a sua arte (...) e foi exibido quase como um troféu pelos militares, afirmou o advogado de acusação, Nelson Caucoto.

Victor Jara, compositor e cantor, foi uma das vozes mais entusiastas das canções de conteúdo social que acompanharam a campanha da Unidade Popular, a coligação de esquerda que levou Salvador Allende ao poder.

No dia 14 de Setembro de 1973, no campo de futebol em que entretanto foi internado, foi "brutalmente agredido e torturado". As suas mãos foram "golpeadas com coronhas da espingardas e desfeitas em bocados". A seguir executaram-no, "provavelmente com uma arma automática".

O suplício do autor de "Duerme Negrito", "Plegaria de un Labrador" e "Lo Único que Tengo" assumiu, com os anos, foros de quase lenda. Conta-se no Chile que enquanto lhe esmagavam as mãos, lhe gritavam: "Vamos, toca" Toca agora!"

Diz-se também que, enfrentando a fúria dos matadores, cantava a música "Venceremos" (Sergio Ortega e Cláudio Iturra), e que, já morto, lhe encontraram no bolso a letra de uma "canção inacabada", onde se lia, "o que vejo nunca vi, o que tenho sentido e o que sinto fará brotar o momento..."

No fim, o cadáver de Jara foi enterrado numa vala comum junto do cemitério da cidade, perto de uma linha de caminho de ferro. O estádio onde foi supliciado e morto tem hoje o seu nome, uma homenagem considerada pelos amigos, admiradores e defensores dos direitos humanos como "tardia".

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