09 outubro 2004

Profissões Liberais vs. IRS



Foram divulgados há dias pelo "Semanário Económico" os dados relativos ao pagamento de IRS pelos profissionais liberais no ano de 2003, com base em números da Direcção-Geral de Informática Tributária e Aduaneira.

Os rendimentos médios anuais declarados pelos profissionais liberais são em geral surpreendentes e constituem uma leitura pedagógica. Os médicos dentistas declaram um rendimento anual de 17.867 euros; os advogados, 10.864; os veterinários, 10.255; arquitectos, 9277; técnicos oficiais de contas, 8382; engenheiros, 8581; etc. Trata-se de rendimentos anuais brutos, sublinhe-se.

Os números fornecem uma surpresa suplementar: os rendimentos médios declarados (e, consequentemente, a contribuição média para o IRS) dos profissionais liberais desceram mesmo em relação ao ano anterior, 2002, sendo os advogados, os médicos e os arquitectos aqueles que registaram as maiores descidas.

Segundo um especialista citado por aquele jornal, Domingues Azevedo, presidente da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, os profissionais liberais deveriam contribuir com 15 por cento das receitas totais do IRS. De facto, contribuem com apenas 6 por cento e a tendência não é para um aumento dessa contribuição. O que isto significa é que, em média, cada profissional liberal português paga menos de metade do IRS que devia pagar ao Estado, metendo ao bolso, por cada seis euros pagos, nove euros que rouba à comunidade. Rouba mais do que paga, como um talhante que nos vendesse 400 gramas de bife e nos fizesse pagar um quilo. E existem 180.000 destes profissionais liberais que em média nos roubam 600 gramas por quilo. Claro que muitos, talvez a maioria, são cidadãos honestos que ganham de facto muito pouco. Mas o retrato colectivo não melhora por esse facto, pois, quantos mais forem os pobres honestos, mais descarados serão os roubos dos abastados.

O que os números também provam é que os esforços de combate à fraude e à evasão fiscal que têm sido periodicamente anunciados pelos vários governos são eles próprios uma descarada fraude e uma manobra de evasão, tendo sido, das vezes que foram timidamente iniciados, sempre esquecidos e interrompidos.

Quando é possível que um profissional liberal com duas casas e dois carros topo de gama declare rendimentos de 600 euros por mês, anos a fio, sem ser minimamente questionado pelo fisco, isso significa que o sistema não tem nenhuma moralidade.

Como é a mesma declaração de IRS fraudulenta que é usada para avaliar a situação financeira das famílias, o que pode acontecer é que o profissional liberal em questão ainda receba um subsídio do Estado para ajudar a pagar a mensalidade da escola privada onde andam os seus filhos.

Esta é uma das razões por que todas as medidas "moralizadoras" de modulação das taxas moderadoras, conforme o nível económico das famílias, se encontram feridas de uma profunda imoralidade.

Deve dizer-se, em abono da verdade, que os profissionais liberais não são os únicos que fogem ao fisco. Eles são apenas um dos picos de muitos icebergues. Nem o IRS é o único imposto ao qual se foge. Mas eles são um indicador da actual situação de cobrança dos impostos, que protege os mais ricos para concentrar a sua sanha nos trabalhadores por conta de outrem.

Que é possível melhorar a cobrança de impostos todos o sabemos e os especialistas já avançaram todas as medidas necessárias. Que isso não seja feito é algo que só pode explicar-se pela proximidade dos decisores políticos (por razões venais, eleitorais ou outras) ao mesmo mundo que se habituou a gozar do dinheiro que subtrai à comunidade. Bagão Félix diz querer aumentar a justiça do sistema fiscal e a iniquidade é tal que não lhe faltam oportunidades de apresentar serviço. Vamos ver se essa justiça se vai conseguir, como deve, à custa do alargamento da base tributária. A vergonha da situação fiscal dos profissionais liberais seria uma boa oportunidade para o ministro demonstrar as suas intenções.

(autor anónimo)

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